A Teosofia e a Mensagem de Krishnamurti

Chittaranjan e Debashree Das Vice-Presidente da sociedade teosófica, adyar. A Sra. Debashree é um membro da Pune Lodge, seção indiana.

O Ensinamento Teosófico veio até nós dos grandes mestres de sabedoria, pelas suas cartas e escritos, através dos primeiros pioneiros da sociedade teosófica (ST), em particular a senhora H. P. Blavatsky. Houve uma grande quantidade de literatura teosófica produzida nos últimos 140 anos, mas nenhum dos líderes teosóficos afirma ter inventado a teosofia. Os elementos essenciais dos ensinamentos teosóficos são repetições modernas de verdades antigas, que não são exclusivas de nenhuma nação, civilização ou época determinada. É por isso que a teosofia é descrita como diferentes tipos de sabedoria: antiga, perene, eterna, sempre jovem, perpétua e literalmente também significa sabedoria divina. É sabedoria antiga, no sentido de que ela descende dos tempos mais remotos, não que seja velha ou antiquada. Baseia-se na Verdade Eterna, que não é afetada pelo tempo. Assim, tem tanta validade e valor agora como sempre teve. Não é a sabedoria concebida por alguém, mas sim aquela que existe na natureza e espera ser descoberta por cada um de nós. Esta sabedoria eterna está relacionada com a natureza da vida, da humanidade e do universo no seu conjunto, e como estamos relacionados internamente com todos os seres e coisas que nos rodeiam.

Como dizia frequentemente o Sr. N. Sri Ram, ex-Presidente da sociedade teosófica, este ensino eterno diz-nos que há um princípio primordial não criado e universal, puramente espiritual e que pode ser experimentado nas profundezas da consciência humana. Este é o princípio ao qual nós e todo o resto que existe estão igualmente relacionados. Mas temos uma capacidade na consciência através da qual podemos realizar a verdade nesse espírito, que é a sua verdadeira natureza. Essa verdade só pode manifestar-se numa consciência que está preparada para isso. Desenvolve-se por dentro. Existe, portanto, esta possibilidade para que possamos atualiza-la desde o interior, desde o centro que existe em nós, como também em todo o resto. Esta é talvez a verdade mais importante na filosofia que chamamos de Sabedoria Eterna ou Teosofia original.

Vamos explorar se esta sabedoria eterna se relaciona com os ensinamentos de J. Krishnamurti, um maravilhoso mestre moderno, e como o faz. Em uma reunião em Eerden, disse:

Eu defendo que há uma vida eterna que é a fonte e o objetivo, o princípio e o fim, e no entanto, é sem fim ou princípio. Só nesta vida está a realização. E quem cumprir esta vida tem a chave da verdade sem limites. Essa vida é para todos. Essa vida não tem forma como a verdade não tem forma, nenhuma limitação. E a essa vida todos devemos voltar.

A sua mensagem veio a nós não só das suas numerosas palestras, mas também da sua vida e da forma como viveu. Repetidamente ele nos lembrou que o mestre não era importante, só os ensinamentos eram, porque precisamos encontrar a verdade por nós mesmos e isso requer uma transformação interior. Foi também muito particular quando disse que não deveria haver intérpretes dos seus ensinamentos, porque eles distorcem o entendimento.

No Boletim nº 7 de 1970, da Krishnamurti Foundation Trust, Inglaterra, Krishnamurti disse: " nenhum intérprete é necessário, porque cada pessoa deve observar suas próprias atividades e não segundo qualquer teoria ou autoridade." Em 10 de julho de 1973, disse que as fundações Krishnamurti (Inglaterra, Índia e Estados Unidos) não tinham autoridade em matéria de ensinamentos, nem para enviar propagandistas ou intérpretes dos ensinamentos. No início de 1956 (6 ª Conferência de Nova Delhi), ele tinha dito em termos fortes: " todos os intérpretes são traidores porque não são experimentadores originais, são simplesmente repetidores de segunda mão de algo que acreditam que alguém mais experimentado e que eles pensam que é verdade. Portanto, tenham cuidado com os intérpretes."

Encontramos uma semelhança espantosa na teosofia com o dizer de Krishnamurti lembrando-nos que o mestre não é importante. Um dos principais pontos fortes da sociedade teosófica é a "Liberdade de pensamento" dos seus membros, consagrada numa resolução aprovada em 1924 pelo seu conselho geral. Nele se esclarece que "nenhum mestre ou escritor de H.P. Blavatsky em diante, tem autoridade para impor seus ensinamentos ou opiniões" a outros. Isto garante que um membro da ST seja livre de ter qualquer opinião ou seguir qualquer escola de pensamento. Tal liberdade é uma condição sine qua non, ou necessidade, para que um membro realize a Verdade por si mesmo. Além disso, uma das grandes verdades que se dá no Idílio do Lótus Branco e se repete em Luz no Caminho é: " cada homem é seu próprio absoluto legislador, distribuidor de glória ou de obscuridade para si mesmo; aquele que decide sua própria Vida, sua recompensa, seu castigo ".

Os ensinamentos teosóficos e a mensagem de Krishnamurti são sobre algo sublime, incapaz de expressar-se plenamente em palavras, além do mundo do pensamento. Ambos exigem ser abordados com grande sensibilidade. As comparações precipitadas destinam-se a levar a conclusões erradas. Um Famoso Santo místico dos últimos tempos, o Yogi Ramsuratkumar era um seguidor do Sri Aurobindo, Ramana Maharshi e seu guru, Swami Ramdas. Quando Krishnamurti colocou sua mão na cabeça de Ramsuratkumar no final de uma conversa, este último disse que teve sua realização final:

Krishnaji é para os não-crentes. Para os crentes, há um número de professores que devem seguir. Mas para um verdadeiro não crente, qual é o recurso? Assim, Krishnaji escolheu termos totalmente diferentes, mas aceitáveis para os não-crentes. Asseguro-vos que Krishnaji nos dá a mesma essência que qualquer um dos grandes mestres, mas expresso em termos opostos.

A seguir há outra citação do Yogi Ramsuratkumar:

O meu mestre, o Swami Ramdas, disse que tudo está no nome. Quando li J. Krishnamurti, com igual reverência e interesse, descobri que ele dizia, "Não há nada no nome"! fiquei perplexo. Duas declarações diametralmente opostas! Eu também sabia que ambas as expressões eram de grandes mestres. O Swami Ramdas tinha falecido. Então procurei J. Krishnamurti para esclarecer isto, uma duvida crucial.

Fui para Madras, Krishnamurti tinha ido para o vale de  Rishi. Fui lá, não consegui encontrá-lo em privado. Depois foi para Bombaim, segui-o. Também não consegui falar com ele. Voltou para Madras. Eu segui-o. Estava ansioso por ver esclarecida a minha dúvida por este mestre vivo. Em Madras, disseram-me que não podia falar com ele.

Uma manhã cedo esperei no jardim de Vasanta Vihar, esperando Krishnamurti descer e me encontrasse. O que aconteceu não o posso descrever como sonho, visão ou realidade! Mas eis o que aconteceu: Krishnaji veio direto para mim. Me curvei diante dele. Depois de algum tempo ele levantou-me e pôs as mãos nos meus ombros. Disse na sua doce voz: "nós dois dizemos a mesma coisa", logo depois ele se foi sem nada comentar.

Estava em êxtase. A minha dúvida foi erradicada. Sim! Tanto " o nome é tudo " como " o nome não é nada " transmitem em essência a mesma verdade. A presença total (Purna) e a ausência total (Shunya, o vazio) significam exatamente a mesma, única, indivisível unidade!

É fácil encontrar aparentes contradições, em análise superfícial, entre os ensinamentos teosóficos e os de Krishnamurti. Mas uma reflexão madura e sensível reflete o contrário. Aryel Sannat, no seu trabalho fundamental, “A Doutrina Secreta, Krishnamurti e Transformação, encontra o que ele chama de ligações inesperadas previamente, entre a Doutrina Secreta e a obra de Krishnamurti. Segundo Ele, uma compreensão psicológica da Doutrina Secreta mostra que a sua essência, tal como a das intuições e observações de Krishnamurti, é a transformação humana. Observa que os Instrutores e HPB ensinaram uma forma de vida de que se esperava que um teósofo não fosse alguém que simplesmente adotasse certas crenças, mas sim alguém que vivesse uma vida de transformação, pois sem a transformação psicológica, a compreensão permanece meramente a nível intelectual e não em uma realização da Verdade. A conclusão de Sannat é que os ensinamentos de Krishnamurti não parecem diferentes quando entendemos a Doutrina Secreta, não usando apenas a chave metafísica, mas também as chaves místicas e psicológicas, e percebemos que ambos os ensinamentos apontam para a necessidade de transformação interna. Enquanto Krishnamurti fala de morrer instantaneamente, a teosofia fala da morte da personalidade.

Sabe-se que as palavras limitam. É por isso que se destaca desde tempos antigos que a verdadeira compreensão da verdade vem apenas através das experiências. Neste contexto, aprendemos com os Mestres de Sabedoria: " volumes da informação construída mais perfeitamente não podem revelar ao homem a vida nas regiões superiores. Temos de obter conhecimento dos fatos espirituais por experiência pessoal e da observação real."

A Sra. Radha Burnier, ex-Presidente da sociedade teosófica, foi uma grande expoente da teosofia nos últimos tempos. Não só era amiga de Krishnamurti, mas também alguém que não encontrou nenhum conflito entre sua mensagem e os ensinamentos teosóficos. Ela observou que Krishnamurti era uma encarnação inspiradora de uma mente livre de apego. Ele deu muita afeição mesmo aos estranhos; o seu afeto desapegado era tão quente, que era difícil para as pessoas não se sentirem especiais. O Conselho de Krishnamurti era: " mantém-te livre, não te apegues." A mente não deve agarrar-se a nada, nem mesmo ao mestre. O apego é fonte de inveja, decepção e agitação, e um sério obstáculo para a amizade, a confiança mútua e o trabalho conjunto em cooperação.

Radhaji deu exemplos da vida real de krishnamurti para ilustrar como o desapego às lembranças e a liberdade das expectativas é a natureza da mente pura. A profunda sabedoria de Krishnamurti foi demonstrada pelo seu grande sentido de igualdade para todos e equanimidade em todas as situações. Radhaji indica que a definição de yoga no Bhagavad Gitâ é o equilíbrio interno, samatvam yoga uchyate, e foi exemplificada na vida de Krishnamurti. Ela disse que o significado completo e as implicações de algumas verdades expressas desde a antiguidade se tornaram mais vivas vendo o que krishnamurti fez, disse, e deixou de dizer, do que lendo qualquer comentário sobre aquelas verdades. Em certa ocasião, terminando uma conversa, ela disse que nos séculos vindouros o ensino de Krishnamurti continuará a potencializar a mente humana, porque não é um ensino comum.

Pablo Sender é outro escritor e orador proeminente que diz que os ensinamentos de Krishnamurti e de, bem como os dos seus mestres, se complementam e derramam luz uma sobre a outra. Ele explora sua profunda semelhança em um artigo intitulado "Os Ensinamentos de Krishnamurti e a Teosofia". aqui está um exemplo do artigo de Pablo Sender:

JK: Enquanto o "Eu" (inferior)estiver ativo e criando uma projeção, não há possibilidade de perceber a realidade.

HPB: o Ego Espiritual só pode agir quando o ego pessoal está paralisado.

Aqui está outra:

JK: Eu não sei se você notou que há compreensão quando a mente está muito calma, mesmo por um segundo; há um flash de compreensão quando a verbalização do pensamento não está. Apenas experimente isso e verá por si mesmo que tem o flash da compreensão, essa extraordinária rapidez de discernimento, quando a mente está muito serena, quando o pensamento está ausente.

K.H: “é sobre a superfície serena e plácida da mente imperturbável que as visões recolhidas do invisível encontram uma representação no mundo visível. Caso contrário, você procuraria em vão essas visões, esses flashes de luz súbita que já ajudaram a resolver tantos dos problemas menores e que por si só podem levar a verdade aos olhos da alma. É com cuidado ciumento que temos de guardar o nosso plano mental de todas as influências adversas que diariamente surgem ao nosso passo através da vida terrena.”

Pode-se pensar que isto é Krishnamurti falando. Parece muito parecido com ele. Mas é uma citação das cartas dos Mahatma a A. P. Sinnett, a carta N º 11.

Pablo Sender conclui que os ensinamentos de Krishnamurti não se opõem aos ensinamentos teosóficos, mas são uma parte integral deles, porque a obra teosófica envolve dois aspectos: o filosófico-Metafísico e o experimental-Psicológico. Se só tocamos o primeiro, então a teosofia é apresentada como uma teoria sem relação com a vida, e não oferece ferramentas para a auto transformação pessoal.

Vale a pena chamar a atenção sobre o trabalho de outro teósofo de toda a vida e seguidor de Krishnamurti. Relativamente desconhecido, J. K. Patnaik era tão simples e humilde para com o mundo exterior que era difícil compreender a sua profunda compreensão da teosofia e dos ensinamentos de Krishnamurti. Um pequeno livro ditado por ele, intitulado, “Onde a Teosofia se reúne com Krishnamurti” foi publicado postumamente. O modelo de consciência que teve em uma visão, fornece não apenas uma ligação entre ambos, mas mostra-nos uma maneira prática de se beneficiar da teosofia, bem como dos ensinamentos de Krishnamurti.

O homem está ciente dos planos físico, astral e mental, mas não é geralmente consciente dos seus corpos mais sutis. Os métodos tradicionais das práticas espirituais permitem ao homem fazer progressos horizontais nestes planos inferiores, que o conduzem a poderes psíquicos ou siddhis inferiores. Krishnamurti e HPB advertem sobre os perigos de tais poderes em seus respectivos livros: Aos Pés do Mestre e a Voz do Silêncio. O verdadeiro progresso espiritual requer um progresso vertical, um salto quântico para o próximo nível para além dos três planos inferiores, que é o plano budico. Só quando o homem está consciente no plano budico ou intuitivo, o sentimento de separação terminará e estaremos livres do ciclo de nascimentos e mortes.

De acordo com Patnaik, são necessárias duas condições para que se esteja consciente no plano superior: a atividade nos planos inferiores deve ser interrompida e deve ser ativado um número suficiente de átomos de raiz no plano superior. Ele acredita firmemente que os ensinamentos de Krishnamurti, que têm uma profundidade extraordinária, podem ajudar a pacificar os átomos raizes do plano inferior e ativar os átomos raízes dos planos superiores para despertar a consciência nesses níveis. Esta é talvez a razão pela qual J. Krishnamurti proibiu a interpretação e a alteração dos seus ensinamentos. Produz-se uma clareza extraordinária quando a mente está muito alerta e não há pensamento, nem intenção nem esforço mental, um estado frequentemente referido como "consciência sem escolha". Cada um precisa ter uma mente silenciosa sem movimento do pensamento, sem escolha no momento O que você quer ou não quer. A consciência sem escolha e a leitura sem esforço dos ensinamentos de Krishnamurti podem conduzir à compreensão em um flash e à experiência de algo vasto e ilimitado.

A compreensão só tem lugar em um instante, não com o decorrer do tempo ou através da acumulação de conhecimento de livros, etc. Você vê algo imediatamente ou não  vê em absoluto. (J. Krishnamurti, 3 a conversa pública, saanen, 11 de julho de 1963)

Referências
1. J. Krishnamurti: Uma Vida, Mary Lutyens, p. 267.
2. O Idílio do Lótus branco, Mabel Collins, p. 119.
3. <yogiramsuratkumar.in/pages/bless.html>.
4. Cartas de Mahatma a a. P. Sinnett, (CR. - Olá. , V. H. Chin, Jr, Ed, carta n. 65, pág. 168.
5. Onde a Teosofia se encontra com krishnamurti, J. K. Patnaik, set publications, cuttack, 2013.
6. A Doutrina Secreta, Krishnamurti, e a transformação, Aryel Sannat, < www.teosofia.com/ transformation1. Html>.
7. "Krishnaji como eu o conheci", Radha Burnier, the theosophist, maio de 1994, vol. 115,8 p. 309.
8. "Os Ensinamentos de Krishnamurti e a Teosofia", Pablo Sender, the theosophist, Dezembro 2004, vol. 126.3, pág. 93.
9. "Indagação e identidade", v. Ganesan, the Mountain Path, JUNHO 1991, PP. 41-48.

Enviado por: Régis Alves de Souza

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